sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Narrando um conto

Tudo começa com um hammond.

O raspar nos pratos anunciam o drama.

O primeiro acorde, menor, faz surgir um bend. 

A medida que a nota vibra, o knob de volume vai transformando o silêncio eu um canto crescente.

Não há pedais, apenas a guitarra plugada em um Fender Champ e uma boa dose de reverb.

A cada acorde, o canto se recria, como o canto da sereia.

O ciclo dos acordes recomeça, e dessa vez, o canto se transforma em um chamado quase insistente, que, após atrair toda a atenção, termina em um convite para uma jornada cheia de beleza assinada por uma singela terça maior.

A progressão é simples, quatro acordes. 

O volume da guitarra desce ao nível 7. O Champ agradece e faz questão de responder docemente às notas que recebe.

A melodia segue como uma hipnose que permeia os poucos acordes.

O ambiente criado pela caixa Leslie ao lado faz com que a guitarra conte a história de maneira tranquila.


Apenas quatro notas chamam o segundo ato. 

O baixo acentua a mesma nota do ciclo original. 

O hammond altera a tonalidade, quase como uma armadilha que tenta tirar o herói do caminho anteriormente determinado.

Mas não, é apenas um olhar, daqueles do topo da montanha, daqueles que garantem a certeza do caminho já trilhado.

O volume da guitarra vai quase ao máximo, como se afirmasse a certeza do caminho, certeza essa que se prova na mesma e singela terça maior.

A melodia retorna, mas dessa vez contada com algumas notas a mais, contada com notas firmes.

O captador da ponte entra em cena, seus agudos combinados ao peso da palheta são como se as pisadas em direção ao destino ficassem mais fortes, quase como o êxtase de um mantra.

Retorna o segundo ato. 

E dessa vez a firmeza das notas são um aquecimento para o clímax. Como a preparação para uma uma batalha já anunciada durante os traços que desenhavam o caminho.
 
Tudo do máximo. 

O ápice chega, as válvulas aquecem, o amplificador grita alto, e, acentuando sua voz, se sobressai perante aqueles que se lançaram em busca da consagração.

A harmonia permeia quase o mesmo ciclo inicial

Um outro acorde maior mostra que a discussão é somente para adultos, e dela, somente um conquistador sairá para contar a história.

Um rápido lick de blues;

Um conjunto de bends na mesma casa;

As notas graves preparam pra mais um furioso lick de blues;

O amp ferve a cada golpe da palheta; 

Um bend de quase 2 tons desafia os limites da escala e a sequencia de notas descendentes que terminam na famigerada singela terça maior determinam o fim do embate.

O mantra retorna.

Parecendo apressado.

É a certeza do destino já predestinado.

Mais uma vez o segundo ato retorna.  

Dessa vez, as notas contam a história de um vencedor.

A guitarra canta novamente àquele bend, uma oitava acima. 

É aquele canto. 

O canto que iniciou todo esse conto. 

O canto que irá cantar tantas outras histórias, mas que sempre termina em uma otimista terça maior.










quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Allen Hinds - tradição moderna

Fala, moçada!


Mesmo com apenas, aproximadamente, um post por ano, tento seguir com o blog da maneira que dá. Com muito carinho, mas do jeito que dá. 

Rá!!


De um tempo pra cá, tenho gostado muito (muito mesmo) do trabalho desse grande guitarrista chamado Allen Hinds. Nascido no Alabama, a Minas Gerais dos EUA, esse cara conseguiu unir o que parecia impossível, isto é, conseguiu unir toda a exuberância de Allan Holdsworth com a linguagem campestre do country e do blues.



Conheci o trabalho do Allen pesquisando sobre equipamento (o que todo guitarrista faz nas horas vagas) na internet (leia-se Youtube), e a coisa que me chamou a atenção foi que mesmo tocando, em maior parte, com a técnica de legato, seu fraseado era um mix de frases modernas e tradicionais, muito blues e licks no bom estilo Holdsworth. 

E o melhor de tudo: O cara é alucinado por equipamentos vintage, principalmente telecasters. E pra melhorar, o cara toca fingerstyle 90%do tempo. 

Pronto, comecei a caçar coisa desse moço nos 'www' da vida, e posso garantir: Vale a pena conhecer o trabalho desse cara.


Pra quem gosta de harmonia, melodia, timbres bonitos, licks matadores e principalmente de ótimas composições, esse cara é a pedida.


Seu primeiro trabalho foi o disco Fact Of The Matter (2005). Legal é que, mesmo sendo o primeiro disco dele, ele não era nenhum moleque. Então, já existe uma boa dose de maturidade logo no álbum de estreia.

Gosto de estreias musicais maduras. Acho bacana quando um músico que já tem uma personalidade definida resolve lançar seu trabalho. Fica jovem, mas muito adulto também.


Pra mim, as músicas mais bacanas desse disco são Kajun, Waltz For Tina, Toss Is Back, You Just Gotta' e Fact Of Matter. Nesse disco tem de tudo, muito slide, blues, eletrônico, waltz, fusion... enfim, bastante coisa.


Logo em 2006, Allen já começa a dar as cartas de seus futuros trabalhos e o próximo álbum já vem cheio de personalidade.

Beyond It All já começa muito bem obrigado. Elegant Decadence já vem com um belo groove estilo New Orleans e um tema de Harmônica bem bacana. 

Outra coisa bacana é que o Sr. Allen costuma usar muito slide na composição dos temas. Fora isso, ele utiliza muitos violões, resonators e ambientes compostos por instrumentos "clássicos" para compor um som muito moderno. Talvez o grande exemplo desse álbum seja a composição Redland Road.

Os pontos altos do disco são: Elegant Decadence, Redland Road, March 28th, o blues Worn But Not Tattered, Now Really (essa é a cara da boa fase do Marcus Miller) e a Holdsworthiana Closure.


Até aí, muito bom. Ótimos discos, belas composições, ótimos solos, timbres e muito bom gosto. Nada de 30 segundos de tema e 10 minutos de fritação. São composições, ok?


Em meados de 2008, Allen lança o disco Falling Up. Esse disco, certamente, está sua composição mais conhecida. Falling Up a canção que batiza o disco.
Com uma baita pegada de bateria, uma energia sensacional... puts, essa música fala por si.

Breakaway, a segunda faixa do disco, já mostra que o homem está cada melhor. Bom gosto, muita frase de slide, violões, lap-steel e muito mais. Os improvisos são tão bonitos que parecem que fazem parte do tema.

Todo o disco é excelente. Then Again é a prova que não precisa inventar muito pra fazer uma balada legal, Peace mostra toda a influência de Pat Metheny e Gris Gris Shimmy tem toda aquela pegada New Orleans que ele gosta.


E melhora depois?
Melhora sim senhor!



Em 2011, Allen vem com mais uma joia. Monkeys and Slides é a demonstração, até agora, de todo seu amor pelo slide. Repleto de timbres vintage (o que não é novidade) e uma bela conectividade entre as músicas, esse disco é muito gostoso de ouvir.
Pedro and Marta é uma aula de slide. E detalhe, em afinação padrão!
Confiança é o carro chefe do álbum. Essa, certamente, está entre suas top 5.
Monkeys And Slides, além de ser um tema forte, tem um violão no fundo que é algo de outro mundo.

Todas as composições de Allen possuem uma energia, ao meu ver, muito pacífica e, essa transmissão de sentimentos traz uma sensação muito agradável.

Tudo isso fica evidente ouvindo Traces, She Always Knew e até mesmo a musculosa Oscar's Swagger.


Tantos elogios assim, vão fazer ele perder a mão.
Que nada! O 'homi' vem, como diz o povo daqui de Recife, 'caporra'. Só vai demorar mais um pouquinho do que de costume.


Após uns anos lecionando, gravando videoaulas e sendo endossado por um monte de gente bacana, em 2016, Allen lança, pra mim, seu melhor trabalho, ou melhor, seus melhores trabalhos.


Fly South representa, com certeza, toda sua personalidade musical. As influências de Joni Mitchel, Pat Metheny, Coltrane, George Harrison, Almann Brothers estão todas ali. Mas tudo isso conectadas pelo jeito todo especial de compor do Mr. Allen.

Esse cara sabe como abrir um álbum, visto que Springs Eternal é maravilhosa.
Buckley tem toda aquela urgência rock que todo guitarrista adora.
Joni, repleta de afinações abertas, é uma belíssima homenagem à Joni Mitchel. Little White Lies e Boo's Folly se completam. Não dá pra escutar uma e não ouvir a outra na sequencia. Old Mill Pond traz todo aquele sentimento de campestre. Se o Creedence me traz a sensação de andar na autoestrada e curtir a viagem,  Allen me traz a sensação de que achei uma casa no campo só pra mim e minha mulher. June 15th realmente me faz relaxar nessa casa de campo.
Pra finalizar esse 'discáço', Blues for Ok Tarpley mostra que, pra se tocar blues, não precisa copiar nenhum daqueles bluesman conhecidos. Aqui, Allen mostra que o blues não é necessariamente o que a gente costumeiramente ouve.

Resumo da obra: Disco de primeiríssima! Mais do que recomendado.


Depois desse disco, quem escutar vai querer mais e vai pensar: Aonde eu encontro mais desse camarada?


E não é que junto ao Fly South, Allen lança com os parças Peter Hastings e Chris Wabich do Wonderland Park outra pérola.
Just Get In aparece, não como uma continuação, mas como uma síntese de todos os seus trabalhos. 
Aqui, Allen desfila todo seu fraseado único e seu timbre singular em um conjunto de canções fortes e impactantes. A coisa flui tão bem que parece que eles gravaram o disco ao vivo no primeiro take. O disco quase não tem overbubs e pouquíssimos complementos. A essência do disco é apenas o trio em estado puro.
O disco abre com All Due Respect. Essa já mostra o teor do disco, pegada, melodia e uma crescente espetacular. A faixa Just Get In segue na história da crescente, começa suave e termina pegando fogo. Bobby's Big Wheel traz um arsenal de 'frases legato' aliadas ao já conhecido groove 'New Allen Orleans'. Allen sempre traz bastante conectividade entre as músicas. É é usando essa conectividade que Barron's Crossing vem a tona. Bacana dessa música é que acredito que Allen está usando um EHX B9 para gerar os sons de B3. Truth Be Told nos traz quase 9 minutos de beleza. Impossível não lembrar do disco Offramp do Pat Metheny. Allen não nega suas influências e isso é realmente muito bacana.
Bom, depois dessa linda balada, porque não mais um pouco de tranquilidade e vida campestre, não? E é isso que Spittin' Image traz: tranquilidade. Mas como o disco segue uma história de 'crescentes', Spittin' Image também te acorda para a correria do dia, mas deixa explícito que sempre tem o final de semana pra sossegar.
Pra fechar essa jornada, A Far Cry faz com que o álbum termine com um belo sorriso no rosto.
Sem dúvidas, mais um belíssimo trabalho desse cara que já sou fã.


Tentei achar um vídeo que "representasse" todo o trabalho do Allen, mas a missão foi muito difícil. Abaixo está um vídeo do Wondeland Park ao vivo. Allen de Tele e uma puta sonzera. 
Vale a pena dar uma fuçada nas coisas dele por aí.








abraço a todos!
Arthur